A CORRIDA À ALMA

Os grupos

Jean-Marie Schiff

Jean-Marie Schiff Nasceu em 1945. Passou dois anos no Instituto Psiquico de Berkeley, onde editou um manual Psychic Maps, e colaborou no jornal Psychic Times.

A EFERVESCÊNCIA CONTEMPORANEA

«Boom das técnicas de grupo», «explosão oculta», «vaga psíquica», «proliferação de grupos de investigação espiritual», «vaga das seitas», «embaraço místico»… tais são algumas das expressões empregadas na nossa mass media para descrever esta «procura de valores interiores» na qual o Ocidente parece comprometer-se maciçamente. A modificação do alargamento do «campo de consciência» tornam-se verdadeiras razões de ser. São precisas algumas estatísticas? Segundo uma sondagem (1973) da revista Fortune, havia nos Estados Unidos mais de oitenta organizações espirituais e terapêuticas, de estatura nacional ou internacional, pretendendo conduzir os seus adeptos a «estados de consciência superiores». Uma organização que tem apenas a idade de um quarto de século, a cientologia, teria, segundo os seus representantes em França, actualmente, mais de cinco milhões de aderentes, dos quais dez mil em França. A «meditação transcendental» foi ensinada a perto de um milhão de alunos e reuniu recentemente em congresso mil e quinhentos «dirigentes» de oitenta países. O magazine em língua inglesa do movimento Haré, Krishna, tem uma tiragem de mais de um milhão de exemplares. O movimento do guru Maharaj Ji, segundo o seu órgão de imprensa, está implantado em sessenta e seis países, entre os quais a URSS. A escola Arica, de Nova Iorque, já formou mais de mil monitores-animadores. Os pentecostistas católicos são em número de meio milhão, enquanto o Concílio de Taizé reuniu, no Verão de 1974, quarenta mil jovens.

Esta primavera de uma «busca espiritual» toma, de momento, o aspecto de uma gigantesca efervescência, arrastando as jovens gerações numa espécie de «corrida à mutação», corrida um pouco febril, por vezes, que testemunha, em todos os espíritos, uma consciência aguda de que «já não há tempo a perder» se se quiser evitar, individual ou colectivamente, ser «apanhado na armadilha» de valores materiais deliquescentes. Os seres comprometendo-se na via de uma busca interior sentem, confusamente, que já não é tempo de hesitar e que devem tomar partido, porque a sua própria evolução condicionará a deste planeta, ao qual estão ligados. Daí o carácter de urgência emanado da efervescência actual, que se está cá é para preparar alguma coisa. Mas o quê, exactamente?

A situação presente do Ocidental lembra a de um viajante que, depois de ter mecanicamente seguido um caminho único, desemboca numa encruzilhada oferecendo-lhe toda uma gama de pistas possíveis no sentido de um mesmo mas longínquo destino. É o labirinto das múltiplas práticas e doutrinas de «evolução» que pululam nas nossas praças públicas.

Para superar e sintetizar a multiplicidade é preferível conhecê-la bem. Eis a razão por que nos empenharemos, neste capítulo, em dar um panorama, tão completo quanto possível, de todas as «vias» actualmente oferecidas aos peregrinos-exploradores das dimensões subtis, antes de nos interrogarmos sobre a saída da efervescência actual.

A «libertação do corpo» e a decantação emocional

Não é sem razão que, em muitos grupos actuais, se deixa à entrada os sapatos e os seus vestuários mais exteriores: isto simboliza o necessário caminho de decantação mental e psíquica prévia a toda a elevação espiritual. Métodos de distensão (hipnose e sugestão, «training autógeno», «sonho acordado», «método Vittoz», dinamica mental…, ginásticas (euritmia, gimnasia, danças, hatha-ioga, exercícios respiratórios), terapias somáticas (massagens, naturopatia…) e técnicas de análise emocional (psicanálise, psicodrama…) são mais ou menos familiares ao grande público. No entanto, desde há pouco, há algo de novo.

Numerosas técnicas retiram a sua origem do Oriente

Começa-se por se notar uma intrusão maciça de disciplinas não ocidentais, tais como o t’ai chi-ch’uan («ginástica meditativa» de origem chinesa, baseada na cosmologia de Yin-Yang e desenvolvendo três séries de movimentos fluidos correspondendo ao Céu, à Terra e ao Homem) ou o aikido (versão zen do t’ai chi-ch’uan e significando literalmente a «via da coordenação do Ki» ou energia vital). Paralelamente a estas «artes marciais» espiritualizando o corpo, as medicinas orientais e, em especial, a acupunctura democratizam a concepção do corpo como sistema enérgico ligado aos ritmos psíquicos e cósmicos.

Mas a Ásia não é a única fonte: podeis inscrever-vos, segundo a vossa disposição, no próximo week-end de massagem havaiana, de ginástica asteca ou de dança africana.

As técnicas são cada vez mais especializadas

Um segundo aspecto novo é a especialização cada vez mais apurada das técnicas. Não só os estilos de massagem, por exemplo, são contados actualmente às dezenas (Esalen, reichien, Alexander, acupressure…), como tendem igualmente a localizarem-se numa parte do corpo (caso da «zonaterapia»: massagem da planta dos pés, cujos diversos pontos estão em ligação «reflexa» com os diferentes órgãos do corpo) ou mesmo sobre um «nível de profundidade coporal» bem preciso (caso do rolfing, de Ida Rolf, que trabalha seguindo um programa pormenorizado, sobre o fáscia – ou envoltório aponevrótico – dos músculos, a fim de dissolver as tensões e nós energéticos que ali se formaram). Deseja-se um tratamento de acupunctura? Ele pode ser miniaturizado pelos bons cuidados de um «auriacupunctador», que trabalhará unicamente sobre a orelha (onde estão reunidos mais de sessenta pontos ou terminais energéticos).

Alguém é um atormentado pela análise ? Tem de saber que isso se faz agora em grupo (análise transaccional, método de Fisher-Hoffmano…) e mesmo sem a intervenção de nenhum terapeuta (movimento do Coconseil Réévaluation, baseado no auxílio mútuo que dois parceiros podem trocar tendo alternadamente o papel de cliente e o de «conselheiro»).

Alguém se quer intrometer na «terapia do grito» (na qual os pacientes verbalizam ao desafio os seus bloqueios e conflitos emocionais)? Basta precisar se se declara ou não pela escola do «grito primal», que procura fazer ressurgir no paciente os traumatismos recalcados (primal pains), levando-o, durante três semanas, pela via da regressão (pelo isolamento, a privação e toda outra forma de «voltar-se para dentro») até à explosão completa da sua ganga de protecção «adulto civilizado» e renascimento de um eu espontâneo. Como não ver nesta técnica de «libertação» uma ressurreição do método a alquímico: a cocção da matéria pesada pelo fogo preparando o nascimento de uma matéria mais subtil?

Enfim, não esqueçamos as pessoas demasiado fatigadas para aprenderem a descontraírem-se sozinhas: basta-lhes adquirir uma destas pequenas caixas chamadas «máquinas alfa», assinalando o momento em que o utilizador produz ondas cerebrais alfa (que correspondem a um estado de calma meditação) e permitindo assim reproduzir este estado à vontade.

Uma tal abundância das novas «técnicas de libertação» atraía um reagrupamento oferecendo-lhe a possibilidade de se reconhecerem e de se fecundarem mutuamente. Foi – e é ainda – a função do Movimento do Desenvolvimento do Potencial Humano. No entanto, por causa da elevação do nível de consciência somática, estas «técnicas» integram-se muito depressa na vida quotidiana. Já não há necessidade de as aprender num «centro de evolução» desde que são veiculadas pela consciência quotidiana colectiva: é o caso de um local como a Califórnia, onde, entre as jovens gerações, a massagem, por exemplo, faz parte da «panóplia dos prazeres» (da mesma forma que o ice-cream) e se aprende «em sociedade».

O Movimento do Desenvolvimento do Potencial Humano

Nascido dos trabalhos da dinâmica de grupo, apoiado nos dois bastiões da «bio-energia» (de Wilhelm Reich) e da «gestalterapia» (de Frederick Perls), alimentado a biberão «psicadélico» dos anos 1960, capaz de assimilar as técnicas mais díspares para as fundir num sincretismo aliciante pelo seu aspecto «nova idade», o Movimento do Desenvolvimento do Potencial Humano resplandece da sua base-laboratório de Esalen, no magnífico local de Big-Sur, na Califórnia. Em 1973, perto de duzentos centros de «desabrochamento» davam a conhecer o «estilo Esalen». Em 1975, contam-se em França mais de uma quinzena destes centros que, mediante pagamento, propõem, no decorrer de ateliers e de week-ends intensivos, programas de evolução pessoal ensinados por animadores muitas vezes estrangeiros.

O suporte essencial do desabrochar prometido é o campo energético do «grupo de encontro», que permite ao mesmo tempo fazer explodir os problemas de cada um bem à luz e resolvê-los melhor por um jogo complexo de compressão e de dissolução colectivas. Tanto quanto possível, a expressão mantém-se não verbal. As ferramentas empregadas vão da «bio-energia» à gestalt, passando por toda uma série de técnicas de expressão de si.

A «bio-energia» (correntemente chamada «bio») é uma terapia desenvolvida por Wilhelm Reich e seus sucessores (A. Lowen). A sua finalidade é desbloquear e abrir a «couraça caracterial» que aprisiona no corpo antigas emoções (medos, angústias…) que nunca puderam até então exteriorizar-se. Graças a exercícios corporais especiais (tais como as famosas «posições de stress» reduzindo, pela dor, todos os mecanismos de defesa), as emoções recalcadas são reveladas e exteriorizadas, dando assim livre curso à espontaneidade e aumentando as reservas de energia vital.

A gestalterapia propõe um diálogo com o objecto

A gestalterapia (criada por «Fritz» Perls por volta de 1945) está em via de se tornar a mais corrente das «psicoterapias de evolução» praticadas nos Estados Unidos. Considerando que estamos divididos por conflitos interiores que nos impede aceitar certas partes do nosso corpo ou da nossa personalidade, a gestalt propõe uma integração progressiva dos diferentes «bocados» graças a técnicas de diálogo «vivido» com o objectivo das nossas preocupações ou com as nossas contradições. É assim que um participante se instalará em frente de uma cadeira vazia, que carregará com as suas projecções e onde irá em seguida sentar-se, a fim de responder a si próprio. A célebre técnica do hot seat (ou tamborete) consiste em fazer com que um participante passe pelo crivo do grupo que não, deixará de detectar as mais pequenas dissonâncias de comportamento e permitirá assim uma confrontação inelutável com os seus conflitos.

É preciso sublinhar o carácter sincrético dos «grupos de evolução» em que o duo «bio-gestalt» se apoia em todos os tipos de exercícios de alerta sensorial, de criatividade e de expressão espontânea: fantasias dirigidas ou não, jogos de papéis, mimos, «duelos brandos», desenhos… Uma atenção especial é concedida à «linguagem do corpo», revelando as atitudes corporais ao olhar avisado as tendências mais escondidas do eu profundo e aos ritmos do corpo ou «biociclos».

O Movimento do Desenvolvimento do Potencial Humano surge cada vez mais como um vasto cadinho permitindo todos os tipos de experimentações, a ponto de cada animador, ou quase, propor uma síntese da sua lavra: a lista alonga-se de dia para dia (reciport, koula, relação essencial, prema, psicodinâmica…). Acabamos por perguntar se, perdidos neste turbilhão, os participantes retiram dele alguma verdadeira elevação.

Os participantes desejam muitas vezes ultrapassar esta primeira etapa

Efectivamente, o leitmotiv do «desabrochamento pessoal» pode não ser mais do que um ideal nebuloso, na medida em que a dimensão psíquica e espiritual de um ser não é tomada em consideração. «Faz-se um tecto» muitas vezes ao nível de uma espécie de culto da personalidade formal através do encorajamento da sua sensorialidade e da sua criatividade. É um pouco como se se propusesse metade de uma escada: faz-se com que os participantes subam alguns degraus, libertando-os das suas tensões mais gritantes, depois plantam-nos ali dizendo: «Reinscrevam-se no próximo atelier!», ou, pior, fazendo-os acreditar que subiram toda a escada. Existe como que uma desproporção entre as promessas implícitas dos grupos de encontro e a sua contribuição real. Esta desproporção reencontra-se no papel ambíguo dos animadores que são muitas vezes investidos do papel mágico de «guia espiritual», quando de tal não têm o desejo nem o arcabouço. Em resumo, fica-se com a sua fome e muitos participantes confessam, quando esgotaram o seu entusiasmo por uma euforia colectiva um pouco fictícia, que procuram outra coisa, mas que ganharam demasiado gosto pelo seu grupo de encontro de week-end.

Além disso, os métodos praticados falham muitas vezes quanto a subtileza e os participantes dotados de um psiquismo sensível vêem-se expostos a energias por vezes difíceis de transmutar. Aliás, os animadores, salvo excepção, têm pouca consciência de que, paralelamente aos corpos físicos, estão a lidar com psiquismos, que é preciso manipular com precaução e arquitectar segundo uma trama de ressonância subtil e não segundo técnicas formais estereotipadas.

Mas não deixa de ser verdade que os grupos de encontro, ao seu nível, operaram uma vasta campanha de sensibilização na possibilidade de transformação interior (que está longe de ser evidente para a maioria das pessoas), preparando assim o terreno para as escolas de alargamento da consciência e os grupos de iniciação espiritual.

AS ESCOLAS DE ALARGAMENTO DA CONSClÊNCIA

Superando o vago conceito de um «potencial» a desenvolver, numerosos grupos insistem agora no «alargamento da consciência» a fim de se ter acesso a outros níveis de realidade. Estes grupos, em geral, têm uma estrutura bem definida ao nível do método empregado. Alguns consideraram que se o método é bom nenhum enquadramento espiritual é verdadeiramente necessário: bem como para a «cientologia», a «sofrologia», o «actualismo», o EST e a iluminação intensiva… Para estes grupos, o indivíduo tem de poder encarregar-se da elevação da sua própria consciência, ajudando-se apenas com um bom método. Outros grupos estão reunidos em torno de um ser de referência: é assim para a «meditação transcendental» e Arica.

A igreja de cientologia (fundada na Califórnia em 1950) é um sistema de pensamento e de cura elaborado por um americano de sessenta e três anos, L. Ron Hubbard, engenheiro e autor de ficção científica, tendo anteriormente lançado a «dianética». A ideia de base é fazer com que os postulantes transponham degraus de uma «clarificação» crescente, desembaraçando-os progressivamente dos seus «engramas» (ou imagens mentais negativas). A originalidade do método consiste no decorrer das sessões de clarificação (chamadas «audições») na utilização do E-meter, ou electrómetro, permitindo ao «auditor» deter as transformações no estado de espírito do «anditado» a quem se pede para contar a sua vida. Sempre que o aparelho registe uma resposta, o auditor «esvazia o problema» com o «auditado» até ao desaparecimento da variação de potencial. Quando o «auditado» (ou «preclaro») termina a sua audição com êxito, torna-se «claro». E assim sucessivamente, sempre ao longo de uma aprendizagem hierárquica muito dispendiosa.

O «actualismo» é uma variedade de «agni»-ioga que se apoia nos trabalhos de R. P. Shofield. O método consiste na aprendizagem de atitudes perceptuais, emocionais e mentais facilitando a circulação da energia, uma vez feita a ligação com a fonte interior simbolizada por um ponto de luz branca situada a doze centímetros acima da cabeça e de onde irradia uma «chuva» de energia.

A «sofrologia» apresenta a particularidade, rara, de ser um método não americano. Aperfeiçoado em Madrid, em 1960, pelo Dr. Alphonso Caycedo, é baseada no terpnos logos, a voz suave e apaziguante que dá àquele que pratica o «relaxamento dinâmico sofronizante», a permissão de imaginar, de «se falar» e de integrar o seu «corpo simbólico» no seu corpo físico.

O EST e a iluminação intensiva poderiam ser qualificados como «maratonas espirituais». Efectivamente, o EST é uma espécie de seminário-sermão intensivo onde se esforçam por impregnar os participantes de um certo número de ideias-forças sobre a experiência, a vida e a «auto-responsabilidade». Quanto à «iluminacão intensiva», visa uma «identificação essencial» nalguns dias, graças a uma técnica de diálogo meditativo com um parceiro que assesta sem parar o velho koan: «Quem és tu?» Em suma, pretende-se realmente uma iluminação espiritual, mas com a condição de que não se perca com ela muito tempo.

Foi possível testar a eficácia da «meditação transcendental»

A «meditação transcendental» (abreviadamente MT), de Maharishi Mahesh Yogi, consiste em atribuir uma «mantra» pessoal ao postulante que nele deverá meditar durante vinte minutos todas as tardes e todas as manhãs: técnica simples, mas sem dúvida eficaz, pois que é praticada por perto de um milhão de adeptos de todas as origens sociais. No seu rasto missionário, a MT elaborou um programa muito simples: «Basta que um por cento da população mundial medite e o restante a acompanhará.»

A particularidade da MT é que a sua «eficácia» foi cientificamente testada. Quanto aos seus efeitos fisiológicos, observou-se um aumento das ondas cerebrais alfa e teta, uma diminuição de vinte por cento do consumo de oxigénio (indicando um abaixamento considerável do metabolismo) e uma intensificação da resistência da pele da ordem dos cem por cento (indicando uma atitude «alerta»). Enfim, durante a meditação há rarefacção do lactato no sangue. A publicidade da organização sublinha, além disso, que a MT reduz as tensões, melhora as relações pessoais e torna os seus adeptos «mais enérgicos e eficientes». Surpreendemo-nos com o seu sucesso. Alguns não deixam de censurar à MT o seu carácter demagógico e sublinham que a sua técnica de meditação acaba por ser utilizada como um simples «reanimante» do mesmo género de uma pílula farmacêutica. Uma última característica: a MT «substitui vantajosamente» o uso da droga (a ponto de o Governo Americano encarar apoiar na MT todo um programa contra a droga).

Arica é o nome de um conjunto de programas de aprendizagem aperfeiçoado por Oscar Ichazo e destinados a conduzir a um estado de consciência chamado o «permanente 24». O número 24 designa um estado de consciência análogo ao satori do zen ou ao «samadhi» do ioga. É de notar que associações como a MT e Arica estão, em certa medida, a meio caminho entre uma função de iniciação ou de enquadramento espiritual e uma função de alargamento de consciência. Sendo organizações populares não podem, evidentemente, permitir-se difundir um ensino esotérico fora de um eventual núcleo central. Mas talvez se trate aí da colocação de uma estrutura geral, permitindo, quando uma primeira fase de decantação tiver desbastado os seres, uma iniciação psíquica mais apurada.

OS GRUPOS DE INICIAÇÃO ESPIRITUAL

Diferindo do conceito de «alargamento de consciência», que não está necessariamente ligado à descida de uma dimensão superior na direcção do esforço de elevação humana, o conceito de «iniciação espiritual» alinha-se numa intenção cósmica de reintegração na dimensão original de um deus ou ser supremo.

Se poucos destes grupos psíquicos e espirituais se encaminham directamente para a sua finalidade, anunciando desde logo um ideal de unificação transcendente, é talvez para evitarem ser assimilados às instituições religiosas que puderam, por vezes, iludir a procura espiritual. Nem por isso deixa de se manter que este ideal é o quadro de referência geral no qual funcionam estes grupos, que insistem, além disso, na redescoberta das dimensões psíquicas intermediárias entre a matéria e a sua origem por uma série de «conversões » ou «transmutações». Situam-se para além dos grupos de encontro a curto prazo, na medida em que constituem cadinhos permanentes onde um ser poderá, em dadas condições de controlo e de ressonância, efectuar a transmutação da sua consciência formal numa consciência subtil, quer dizer, acelerar as etapas da sua evolução.

A vida em comunidade exige uma disciplina rigorosa

Um outro carácter geral destes grupos é, portanto, a sua vontade comunitária: vida comum quotidiana e desenvolvimento de uma trama de comunicação subtil permanente. Assim se estabelece uma comunhão permitindo aos seres sentirem-se membros de um organismo vivo comum (ou «egrégoro») transcendendo a soma das suas partes.

Um outro carácter notável é a dedicação dos membros destes grupos à sua causa. Alguns seguem regimes de vida que ficariam bem em mosteiros. Citemos aqui o emprego do tempo de um «devoto de Krishna da comunidade de Paris: alvorada às 3 horas e 30 minutos; depois do duche, descida ao templo para leituras, recitações de mantras, cursos e comentários de textos intercalados com cantos e danças; 8 horas e 30 minutos: pequeno-almoço; 9 horas início do trabalho e da vida económica; pequenos grupos seguem pelas ruas para espalhar a boa palavra e vender revistas e pauzinhos de incenso; 12 horas e 30 minutos: almoço rigorosamente vegetariano. Pela tarde, uma aula religiosa interrompe o trabalho; 19 horas: leituras, cantos e danças. Existem na Califórnia dois importantes mosteiros em que a «regra» também é rigorosa. Um é de obediência zen, outro ensina o budismo chinês e abre-se aos homens que aceitem só comer uma vez por dia e às mulheres que consintam em rapar o crânio.

Decorrente deste aspecto comunitário «orgânico» encontram-se nestes grupos psíquicos ou espirituais uma estrutura piramidal centrada num guru (ou «mestre espiritual», investido da função sagrada de manter uma junção, ou religião, interdimensional). Que estes gurus sejam todos dotados de capacidades psíquicas (clarividência, mediunidade, cura…), não é, sem dúvida, por acaso.

Não era a característica dos «padres» de todas as religiões nos seus começos, bem como dos primeiros apóstolos que tinham recebido o «espírito», quer dizer a iluminação iluminando progressivamente ou brutalmente a «via»?

A síntese Oriente-Ocidente tinha sido preparada por diversos grupos

Através destes grupos de iniciação espiritual assiste-se ao nascimento de uma nova pedagogia – ou propedêutica – espiritual que tende a sintetizar conceitos e métodos pedidos de empréstimo ao Oriente como ao Ocidente, ao passado como ao presente, com vista a formalizar quadros-padrão aptos a focar as energias cósmicas favorecendo a mutação dos seres em ressonância.

Esta síntese, desde há algumas dezenas de anos, é preparada no Ocidente pela iniciativas de pequenos grupos ou de pioneiros isolados que trabalharam numa difusão dos métodos de desenvolvimento de consciência praticados no Oriente (a teosofia, Gurdjieff, Krishnamurti Meher Baba, etc., sensibilizaram a opinião para sistemas tais como o budismo, o tantrismo, o tauismo, o zen, o sufismo…) ou para uma transmissão da herança esotérica (o movimento Rosa-Cruz, a franco-maçonaria, a antroposofia; diversos grupos «espiritas», «ocultistas» ou «Parapsicológicos» permitiram uma recrudescência de interesse pela Cabala, pela alquímia, pela astrologia, pela radiestesia, pelo tarot…). Este trabalho não teve verdadeiramente impacte de massa directo, mas contribuiu com certos elementos da síntese em curso.

Com efeito, desde 1960 que todos estes elementos dispersos parecem convergir para sínteses cada vez mais precisas, apresentando uma atracção quase magnética para as gerações nascidas durante e depois da guerra. Estas gerações viveram a experiência da sua coesão de massa através das diferentes etapas – que interferem – de uma tomada de consciência planetária: contestações antiautoritárias pontuais alargadas ou redefinições globais em relação a conjuntos sociopolíticos e culturais, internacionais da viagem, da droga, da imagem… culturas paralelas além-fronteiras… Vê-se que uma parte desta massa «planetarizada», na hora actual, está fecundada por campos energéticos subtis colocados através de um número crescente de grupos psíquicos e espirituais, como se uma espécie de «desnatagem» estivesse em vias de se efectuar, tendo em vista reagrupar os seres em ressonância com os eixos de probabilidade da evolução planetária.

Numa perspectiva cronológica, é possível notar interessantes concomitâncias: os anos 1960 viram o florescimento no Ocidente de importantes organizações fundadas por mestres orientais, tais como Maharishi Mahesh Yogi para a «meditação transcendental», Bhaktivedanta Swami Prabhupada para a Associação Internacional da Consciência de Krishna, guru Maharaj Ji para a Missa da Luz Divina, Choghyam Trungpa para uma escola do budismo tibetano, Taisen Deshimaru para o zazen, Mishio Kuchi para a Ordem do Universo, Sri Aurobindo para «Auroville»… Todas estas organizações obtêm enorme sucesso. Perto de 1970 aparecem grupos de síntese espiritual fundados por mestres ocidentais que se empenham em formar um pequeno núcleo de discípulos aptos a enquadrar a expansão nacional e internacional de 1974-1975, a tempo de aguentar as energias um pouco arquejantes de movimentos mais antigos e para «tocar» novas camadas da população planetária. Estes grupos (tendo muitas vezes, nos Estados Unidos, a etiqueta legal de «igrejas») entregam aos alunos formados (qualificados como «reverendos») diplomas que lhes permitem, por sua vez, formar outros adeptos.

OS GRUPOS DE JUNÇÃO CÓSMICA

Da libertação do corpo ao desenvolvimento do potencial, depois ao alargamento da consciência e enfim, à iniciação psíquica e espiritual, diferentes limiares vibratórios são atingidos e diferentes portas são transpostas.

No entanto, os ensinamentos de todos os tempos sempre insistiram sobre as múltiplas etapas da «via» que conduz da dimensão terrestre à dimensão cósmica. E, com efeito, o oitavo degrau não é ainda mais que o primeiro… a um outro nível da espiral. Eis a razão por que se pode dizer que as organizações populares espirituais, actualmente não são ainda, na sua maior parte, mais do que gigantescos «jardins-de-infancia» que certamente fazem baixar a taxa de «analfabetismo cósmico» mas em nada são o fim. Certas categorias de seres têm uma incómoda tendência para se satisfazerem com o seu primeiro esforço de elevação e ali ficarem, porque já se sentem mais «evoluídos» do que a maioria, o que é verdade mas um tanto relativo. A demasiado rápida expansão quantitativa de certas organizações não é, sem dúvida, estranha a esta atitude de «repouso sobre os louros espirituais».

Os encontros entre iniciados têm lugar fora de toda a presença física

Na realidade, quanto mais portas se transpõem menos o quantitativo joga. Uma subtileza crescente traz consigo uma publicidade decrescente. E os verdadeiros grupos espirituais, ou ordens esotéricas em junção operacional com dimensões cósmicas, só são conhecidos por iniciados, ou seja, por aqueles que estão ao mesmo nível vibratório. Os outros chocam entre si à porta do silêncio.

Efectivamente, a um certo nível, o ensinamento espiritual já só pode ser dado subtilmente, quer dizer, fora do veículo psíquico. Assim, certos grupos (como o Summit Lightouse, antena da Confraria Branca) estabeleceram «retiros» no plano «etérico» onde os alunos, utilizando o seu veículo subtil correspondente, se encontram durante o seu sono físico.

Parece também que a junção cósmica, para alguns grupos, se faz por intermédio de OVNI. Assim, a Academia para a Ciência Futura, de Palo Alto (Califórnia), declara estar em comunicação com a figura bíblica Enoch, por intermédio de OVNI. Um outro grupo, Isozen (Paris), recebe por telepatia vertical códigos numerológicos respeitantes a operações de «energética interdimensional».

O RENOVAMENTO DO CRISTIANISMO

Igualmente no seio das igrejas cristãs se sente levantar um vento novo. Para os adeptos do Movimento Carismático (ou pentecostistas) é o «Regresso do Espírito» anunciando um «Novo Pentecostes».

De facto, o pentecostismo nasceu na orla do século xx, vindo da necessidade de renovar com o «alento do espírito animando a Igreja primitiva»: Em 1 de Janeiro de 1900, uma jovem de um grupo metodista do Cansas, na sequência de uma sessão da imposição das mãos, fez a experiência de «rios de água viva subindo do mais profundo do seu ser» e pôs-se a falar uma língua desconhecida. Com o tempo a mesma experiência estendeu-se a outros membros do grupo, que propagaram o movimento pentecostista sob a forma de uma igreja constituída e de grupos informais, reunindo o conjunto nos nossos dias dez milhões de adeptos. Na América Latina, por exemplo, os pentecostistas formam o grupo cristão mais numeroso, depois dos católicos. Aquilo a que se chama «neopentecostismo» é o aparecimento desta mesma experiência nas confissões cristãs institucionalizadas: episcopaliana (1958), luterana (1962), presbiteriana e, finalmente, católica.

Foi em 1967 que jovens universitários católicos da Pensilvania convidaram um grupo de pentecostistas a receber uma imposição das mãos. Fizeram então a mesma experiência de «renovação jorrante» e foram capazes de a transmitir a outros. Menos de dez anos depois, os pentecostistas católicos são meio milhão numa centena de países. A conferência internacional de South Bend (Indiana) reuniu, no final de 1974, trinta mil carismáticos. E a Igreja romana parece, de momento, acolher de braços abertos esta nova corrente. O termo (controverso) «carismático» refere-se à aquisição pelos «baptizados em espirito» de diferentes «carismas», tais como o dom das línguas» e o «dom da cura» por imposição das mãos.

Alguns problemas se colocam, contudo, dada a amplitude tomada pelo Movimento Carismático. Em primeiro lugar, que seria do futuro da sua relação com as instituições da Igreja? Vai pender a balança para uma exclusão perante os excessos da espontaneidade, ou, antes, para uma assimilação em detrimento da vitalidade do movimento? Coloca-se em seguida a questão dos desvios eventuais.

Além do Movimento Carismático, existem no cristianismo contemporâneo outros terrenos de efervescência.

Citemos, em primeiro lugar, o movimento dos Loucos de Deus (ou Jesus Freaks), nascido nos Estados Unidos, para reabilitar velhos drogados propondo-lhes a experiência do amor comunitário e um regresso às fontes do espírito cristão. A doutrina insiste na dimensão humana de Jesus.

A experiência ecuménica do Mosteiro de Taizé adquiriu, também ela, uma audiência internacional junto das jovens gerações, principalmente depois da reunião, em Setembro de 1974, de um «concílio dos jovens», que tentou estruturar o «espírito taiziano» (feito de «esperança ecuménica», de ideal de despojamento e de vontade de amor fraterno) e publicou uma «carta ao povo de Deus» visando «sacudir» a Igreja.

Assinalemos, enfim, o fenómeno dos «curandeiros espirituais das Filipinas». Estes curandeiros (como Tony Agpaoa) dizem-se da Igreja católica e trabalham com resultados – e métodos – espantosos: actuando num estado de transe induzido por orações colectivas, praticam operações cirúrgicas, sem efusão de sangue, por penetração vibratória no corpo do paciente.

VELHAS RECEITAS E NOVOS «GADGETS»

Quando os indivíduos ganham consciência da sua golinha interior, todos os meios são bons para a quebrar: desde os gadgets mais sofisticados às receitas do bom velho tempo que se tiram das gavetas da tradição.

Mencionámos já as «máquinas alfa» (empregadas, no quadro do movimento de «biofeedback», pelos grupos alfa, para ensinar a distensão), bem como os electrómetros utilizados pela «cientologia». No mesmo veio assinalemos ainda: os equipamentos de sobrecarga sensorial, tais como a «bolha ambiental»; os amplificadores de ruídos naturais do corpo; os estroboscópioso, permitindo experimentar visualmente as imagens interiores; os sintetizadores electrónicos de frequências sonoras e luminosas; as «câmaras de desorientação» temporal e espacial; a ionização negativa; a estimulação eléctrica do mastóide provocando desordens circulares da percepção; um «magnetoscópio que sonha»; enfim os equipamentos de investigação parapsicológica, tais como os aparelhos de comunicação telepática com as plantas (experiências de Backster e Vogel), as investigações sobre os acumuladores de energia psíquica (experiências de Pavlita), o uso de «pirâmides de meditação» respeitando as proporções exactas da pirâmide de Gizé, etc.

Em contraponto dos instrumentos desta «tecnologia dos níveis de consciência», nota-se, nos países ocidentais, a redescoberta das receitas «naturais»: silêncio prolongado e retiros, orações e salmodias, música e dança, regresso à Natureza, rituais (como a cerimónia do chá japonês), desenvolvimento da observação e da concentração, poesia e artes (tais como as caligrafias orientais, o arranjo floral…), abandono ao «aqui-agora» quotidiano, jejum, devaneios e semivigilia.

Perante manifestações tão contraditórias da «vontade de êxtase», acabamos por perguntar se o melhor êxtase não será já não ter vontade alguma.

Finalmente, surge a questão essencial: quais são os eixos de agrupamento de todas as energias investidas na «corrida à consciência»? Qual será a saída da efervescência contemporânea?

J.-M. Schiff