Edgar D. Mitchell
Chefe da expedição da Apollo 14 em Fevereiro de 1971.
Tornou-se assim o sexto homem a caminhar na Lua. Este estudo constitui a introdução da obra colectiva
Psychic Exploration, © 1974,
por Edgar D. Mitchell e Associates Inc.,
G.P. Putnam’s Sons, Nova Iorque.
Em Fevereiro de 1971 tive o privilégio de caminhar sobre a Lua como membro da expedição lunar Apollo 14. Durante a viagem fiz um teste de percepção extra-sensorial (ESP), tentando telepaticamente enviar para a terra informação a quatro receptores.
Desde então, as pessoas perguntaram-me por que razão um astronauta se interessa tão de perto por um tema tão desacreditado e inaceitável nos meios científicos respeitáveis, como a investigação psíquica. Eis uma questão pertinente, à qual vou responder neste artigo. A investigação psíquica lança à ciência um desafio que esta não pode evitar por mais tempo. Mas o meu verdadeiro desígnio é, e foi, desde há muitos anos, compreender a natureza da consciência e a relação do corpo com o espírito. A investigação psíquica é uma faceta desta investigação mais vasta. Eis por que se poderia dizer que eu passei simplesmente do espaço exterior ao espaço interior.
O estudo do espírito e da consciência é chamado «noética». Este termo vem da raiz grega nous, significando «espírito». Na sua acepção corrente, noética remete para uma contribuição puramente intelectual. Mas Platão falou do conhecimento noético como da mais alta forma de saber: um conhecimento directo ou compreensão das verdades eternas, que supera os mecanismos discursivos normais do raciocínio lógico e intelectual. A palavra «ciência», bem entendido, significava na origem «conhecimento», mas veio a designar um tipo de conhecimento derivado do uso das faculdades objectivas e racionais do espírito. No entanto, capacidades psíquicas, tais como a telepatia, pertencem a um outro tipo de conhecimento: um conhecimento subjectivo, um mecanismo cognitivo não racional que são amplamente ignorados dos meios científicos. A consciência aparece como o conceito unificador central atrás destes diferentes aspectos do espírito. Proponho assim, dentro do espírito da sua origem grega, utilizar o ómega como símbolo para a consciência e a noética. A investigação psíquica é um aspecto da noética, mas apenas um aspecto. A parafísica, por exemplo, é, no quadro da noética, um novo domínio de investigação que estende as leis e os métodos da física para tentar explicar certos fenômenos paranormais. Alguns dos factores que a parafísica julgou necessário tomar em consideração são os efeitos sobre os sistemas vivos do geomagnetismo, das fases da Lua e das radiações solares. Estes factores terrestres e celestes, entre outros, induzem na nossa condição física e mental alterações rítmicas, ora subtis, ora patentes. Um outro exemplo é a exobiologia, que é o estudo das possibilidades da vida extraterrestre. A evidência da exobiologia leva certos cientistas a interrogarem-se: se a vida existe algures no Universo por períodos claramente mais longos que o do caso do homo sapiens, qual é o grau de superioridade atingido na evolução da consciência por tais formas vivas? Os investigadores psíquicos acrescentariam: se a humanidade entrar em contacto com civilizações extraterrestres inteligentes seriam os canais psíquicos os melhores meios de comunicação? O problema da consciência é, portanto, tão vasto quanto o Cosmos e tão perto de nós quanto o sono. A noética é a disciplina que emerge desta confluência entre a investigação do espaço exterior e a do espaço interior. É a fronteira última nas tentativas do homem para compreender a sua própria natureza e a do Universo.
Após trezentos e cinquenta anos de ruptura entre ciência e religião, talvez estejamos no limiar de uma nova era de conhecimento e de cooperação. Deveria ser evidente que a observação objectiva e a razão não produzem, em si mesmas, uma ética de vida satisfatória, seja ela para os indivíduos ou para os sistemas sociais. Os factos separam-se dos valores e a acção das necessidades. Por outro lado, a intuição e a inspiração não produzem, em si mesmas, o acordo de que a sociedade tem necessidade para instaurar a ordem, a estrutura e a sobrevivência no mundo material.
A investigação psíquica é um outro ramo da noética que abre uma via de acesso à solução do dilema «exterior-interior», matéria-espírito, corpo-alma, razão-intuição, ciência-religião. Do ponto de vista da noética, e especialmente da investigação psíquica, elementos que surgem como opostos revelam-se como as partes complementares de um todo mais vasto: a consciência.
Eu falo de experiência pessoal. Quando andei na Lua, era um piloto de teste, um engenheiro e um cientista tão igualmente pragmático como qualquer dos meus colegas. Mais de um quarto de século tinha passado a aprender a aproximação empírica para fazer face ao Universo. Em numerosas vezes, a minha vida dependeu da validade dos princípios científicos e da Viabilidade da tecnologia saída destes princípios. Eu sabia bem que o pensamento analítico e lógico que utiliza dados objectivos podia produzir uma tecnologia capaz de revelar novos segredos do Universo ao explorar os limites do espaço e, à escala microscópica, a estrutura dos átomos. Antes da exploração lunar, eu passei a ser tão familiar quanto um homem pode ser com a nave espacial e o seu vasto sistema de apoio em pessoal e em equipamento: eu tinha confiança neste sistema. E, no entanto, não obstante esta familiaridade e esta confiança, houve, durante o voo, momentos em que senti um respeito surpreendido e profundo pelas capacidades racionais do intelecto humano, capaz de encontrar os meios para guiar uma minúscula cápsula de metal através de um meio milhão de milhas do espaço com uma tal precisão e uma tal exactidão. Sim, eu era pragmático porque a minha experiência me demonstrara, para lá de toda a dúvida, que a ciência «funcionava».
Mas havia, durante o voo da Apollo 14, um outro aspecto da minha experiência que estava em contradição com a atitude do «engenheiro pragmático». Isto teve começo com a experiência «de ficar sem fôlego», que consiste em ver o planeta Terra a flutuar na imensidade do espaço. A minha primeira impressão no instante em que olhava a Terra foi a sua inacreditável beleza, que mesmo as fotografias mais espectaculares não chegam a dar. Era uma visão majestosa: uma esplêndida jóia azul e branca suspensa num céu de veludo negro. Como aquela tranquilidade e aquela maravilhosa harmonia parecia inserir-se no modelo de evolução que guia o Universo! Num momento de êxtase, a presença do divino torna-se quase palpável, e eu soube que a vida no Universo não era apenas um acidente vindo dos mecanismos do acaso. Este conhecimento chegou-me directamente de maneira noética. Aquilo nada tinha a ver com um raciocínio discursivo ou uma abstracção lógica. Era um conhecimento experiencial, obtido por uma consciência subjectiva pessoal, mas cada pormenor era e é ainda tão real como os dados objectivos sobre os quais o programa de navegação ou o sistema de comunicação estavam baseados. Era claro e límpido: o Universo tinha um significado e uma direcção. Não era perceptível para os órgãos dos sentidos, mas, no entanto, estava presente: uma dimensão invisível atrás da criação visível, que lhe dá um desígnio inteligente e traz um sentido à vida.
Depois os meus pensamentos voltaram-se para a vida quotidiana no planeta. Então, o meu sentido de maravilha transforma-se gradualmente em qualquer coisa próxima da angústia, porque tive consciência, naquele preciso momento, que eu era suficientemente privilegiado para contemplar o planeta de duzentas e quarenta mil milhas no espaço, os habitantes da Terra preparavam-se para combater; para cometer assassínios e outros crimes; para mentir, roubar, baterem-se pelo poder e pelo estatuto social; abusar do ambiente, poluindo a água e o ar, devastando os recursos naturais, assolando a terra e actuando com cobiça e cupidez; para se ferirem uns aos outros pela intolerância, beatice, preconceito e tudo quanto se junta à desumanidade do homem pelo homem. Era como se o homem estivesse totalmente inconsciente do seu papel e da sua responsabilidade individuais no futuro da vida sobre o planeta.
Era também dolorosamente evidente que os milhões de pessoas sofrendo de pobreza, de doenças, de miséria e de semiescravatura estavam nesta condição pelo facto da exploração económica, do domínio político, da perseguição religiosa e técnica e de uma centena de outros demónios retirando a sua origem no ego humano. A ciência, com todos os seus sucessos tecnológicos, esquivava-se a estes problemas resultantes do egocentrismo do homem. Mais exactamente, nem sequer os enfrentava. Como chegara a humanidade a uma situação tão crítica? E porquê? Uma questão ainda mais importante: que se podia fazer para remediar tudo isso? Como é que nós, seres humanos, poderíamos restaurar uma relação harmoniosa entre nós próprios e o ambiente? Como evitar um Armagedão nuclear? Como tornar a vida vivível? Como realizar o potencial do homem por uma sociedade de paz, de criação, de cumprimento? Como casar o mais alto desenvolvimento da nossa racionalidade objectiva, resumida pela ciência, com o mais alto desenvolvimento da nossa intuição subjectiva, resumida pela religião?
Estes pensamentos e estas questões acompanharam-me ao longo de toda a missão, no regresso e nas cerimónias. Ficaram o tempo suficiente para me assombrarem com a consciência aguda da limitação das vistas que o homem tem sobre a sua própria existência e a do planeta. Por vezes, à noite, eu ficava acordado durante horas debatendo-me contra este enigma, tentando compreendê-lo e vê-lo numa perspectiva sensata. Como é que o homem, a criatura mais inteligente da Terra, pode ser estúpido e míope ao ponto de ele próprio se expor ao risco de uma extinção da sua espécie? Como podia haver tal divórcio entre a inteligência e o instinto? E possível encontrar uma solução prática?
Foi neste ponto do meu encaminhamento que o terceiro aspecto da minha experiência durante a viagem lunar se tornou importante: quero falar da minha experimentação da Percepção extra-sensorial. O meu interesse pela investigação psíquica nasceu em 1967. Por esta época, eu sentia uma profunda dúvida quanto à capacidade de a filosofia e teologia, pelos menos tais como me eram familiares, responderem às minhas interrogações sobre o sentido da vida e sobre o lugar do homem no Universo. Sempre procurei compreender a natureza das coisas e tinha uma vasta cultura em literatura e nos outros ramos do conhecimento visando examinar ou explicar o destino do homem.
No entanto, eu tinha achado inadequados muitos dos conceitos vindos da teologia ou da filosofia. O conhecimento empírico nascido das ciências físicas parecia-me que fazia soçobrar as nossas noções tradicionais respeitantes ao homem: infelizmente parecia também muito pouco capaz de substituir estas noções por outras mais sólidas e mais válidas. As velhas respostas já não tinham saída. De onde viriam as novas?
Neste impasse emocional e intelectual, um amigo, por quem eu tinha grande respeito – como pessoa reflectida mas prática, sugeriu-me que talvez os fenômenos «psi», segundo a sua denominação colectiva, merecessem ser tomados em consideração. Ali estava um desafio a que eu não podia resistir. Familiar da ciência, não existe para mim no Universo nada que não mereça uma investigação: se, por acréscimo, isso oferecer o atractivo de ser de algum beneficio para a humanidade, penso que é quase insensato recusar examiná-lo. O verdadeiro «cientista» é aquele que se dedica ao conhecimento, à scientia, a qual é um ensaio para compreender a natureza última da realidade, sem partido tomado, preconceito ou pertença a uma ideologia ou a um sistema de crenças. Se não foi assim, não merece o nome de «cientista». O meu interesse é conhecer. Foi o que me levou à parapsicologia e aos domínios aparentes. No começo, estava extremamente céptico: imagino que quem não esteja familiarizado com o tema seja céptico, especialmente quando escuta os detractores científicos do paranormal. Aquilo dá a impressão de se tomar a sério contos de fadas e mitos.
No entanto, estas narrativas, aparentemente fantasistas, que embalam a infância e os começos da História, são agora reconhecidos como tendo um conteúdo importante e uma significação séria nos esforços do homem para se conhecer a si próprio mais completamente. A investigação psíquica provou a sua validade. Assim, quanto mais eu penetrava no estudo dos fenômenos paranormais mais o meu cepticismo se dissolvia. Era substituído por um sentimento de reverência e de excitação feito de dois elementos: um respeito pela excelente experimentação científica feita pelos parapsicólogos e investigadores psíquicos e a impossibilidade de ignorar os resultados não habituais obtidos em muitas destas experiências. A telepatia, por exemplo, esse talento psíquico que eu tentava utilizar durante a expedição lunar, fora estudada e documentada de maneira extensiva havia um século: os trabalhos de Joseph Banks Rhinc, René Warcollíer, S. G. Soal e muitos outros não podem deixar dúvida alguma quanto à sua existência.
Enquanto eu considerava estas questões e as discutia com os pensadores adequados pelo mundo, tornou-se evidente, a meus olhos, que existem três hipóteses importantes para o futuro, sendo as três verificáveis pelo homem:
1. Nada fazer, caso o sistema de valores dominantes e o comportamento socioeconómico daí resultante conduzissem eventualmente a um desmoronamento em massa do conjunto mundial. Os sobreviventes começariam então a reconstruir a civilização.
2. Abandonar a liberdade pessoal de opção nas mãos de um governo mundial central, na esperança de que uma sociedade controlada e unificado, fosse qual fosse a tirania da sua direcção, seria preferível à não sobrevivência.
3. Promover o processo de «metanóia», ou novo despertar, permitindo à humanidade verificar em que dilema se encerrou e, através de uma alteração da consciência e de um alargamento da responsabilidade individual, restabelecer a unidade do homem com o homem e com o que o cerca.
A minha opinião é que a última hipótese é a única solução satisfatória e realmente estável para resolver as crises, cada vez mais graves, com as quais são confrontados os cidadãos da nave espacial Terra. É a solução mais próxima da perspectiva desta «consciência global instantâneas», que muitos dos meus colegas e eu próprio atingimos depois da nossa experiência espacial.
O processo de «metanóia» aplicado a toda uma civilização, ou mesmo a um segmento substancial de uma grande nação, não é tarefa fácil. É certo que a ciência e a tecnologia só por si não podem fornecer tal esforço: de facto, elas são parcialmente de censurar nas crises. Não, é a consciência individual que tem de se ampliar, especialmente a dos investigadores científicos, daqueles que criam novas tecnologias e lhes dão aplicação. Eles têm de alargar o seu campo de percepção a fim de desembocar numa transformação da sua consciência. Os que dirigem as nações e outras instituições de civilização têm uma responsabilidade especial. É só quando o homem ganhar consciência da sua unidade fundamental, com os processos da Natureza e o funcionamento do Universo – como eu vi tão nitidamente a bordo do engenho espacial Apollo -, que as velhas maneiras de pensar e de se comportar desaparecerão. E só quando o homem evoluir da sua imagem de si egocêntrica para uma nova imagem do homem universal que os eternos problemas que nos esmagam serão susceptíveis de ser resolvidos. A humanidade tem de se elevar do homem ao gênero humano, do pessoal ao transpessoal, da consciência de si à consciência cósmica. Eu não vejo outro meio de evitar alternativas que, para mim, são inaceitáveis.
Esta concepção dos futuros possíveis do homem não é produto da minha invenção. Outros pronunciaram as mesmas palavras com mais amplitude, apoiadas em análises pormenorizadas e em provas. Eu não faço mais do que oferecer a minha voz como suporte da sua posição. Mas, se vemos certo em tudo isso, os múltiplos problemas da humanidade são conduzidos a um problema fundamental: como alterar a consciência, como alcançar uma «metanóia»? Como podemos elevar a nossa consciência a um nível superior, a um nível que restauraria a unidade do homem, do planeta e do Universo? À vista dos resultados obtidos no domínio do psiquismo, toda a minha preparação científica me empurrou para fazer para comigo uma honesta confissão: a investigação psíquica ocupava-se de fenômenos que eram bem reais, mesmo se o corpo dos conhecimentos científicos actuais é incapaz de os explicar. Desembocar numa outra conclusão teria sido uma desonestidade intelectual, coisa que aparece de quando em quando na história da ciência, sempre em seu detrimento, e que é ainda uma outra manifestação da mentalidade egocêntrica.
Em 1971, quando a missão da Apollo 14 foi programada, eu tornara-me um ávido investigador psíquico durante as minhas horas de lazer. A oportunidade que a expedição lunar me oferecia de fazer experiências telepáticas era demasiado boa para ser afastada, e penso que todo o cientista, cujos interesses e inclinações eram paralelos com os meus, a teria agarrado. Nunca tive a intenção de tornar a experiência pública, como veio a ser: uma história de sensação nos jornais e nos outros meios de comunicação do mundo. Eu só tomara a decisão da experiência umas semanas antes da partida, e isto não devia ser mais do que uma experiência puramente pessoal. Eu não tinha pedido permissão à NASA, porque parecia preferível tentar a experiência sem a autorização em vez de correr o risco de a ver proibida. Além disso, dado o facto da minha experiência das «fugas de informação», eu nem sequer pedira conselho aos profissionais afamados. No entanto, estas precauções afirmaram-se inúteis.
Fiz esta experiência com quatro pessoas que tentaram receber, em terra, por comunicação telepática, as mensagens que tentei transmitir-lhes várias vezes no decorrer da viagem. Três preferem manter-se anónimas. O quarto, Olaf Jonsson, de Chicago, foi recomendado no último minuto por um dos meus amigos, e a sua participação foi organizada por telefone. Nunca nos tínhamos encontrado antes do lançamento, se bem que o tivesse conhecido depois. Na sequência de uma «fuga» (cuja origem me é ainda desconhecida), e dado uma investigação apurada da imprensa, Jonsson foi encontrado e revelou a história à imprensa: daí resultou uma atenção maior a nosso respeito e pela investigação psíquica em geral.
Em resumo, a minha experiência consistiu em quatro sessões de transmissão durante os períodos de repouso programados no curso do voo. Duas das sessões tiveram lugar no decorrer da viagem de ida para a Lua e duas durante o regresso. Utilizei números de 1 a 5 tirados ao acaso em oito colunas de vinte e cinco números cada uma. Justamente antes da transmissão, a fim de minimizar as possibilidades de precognição, atribuí um número a cada símbolo das cartas standard de Zener utilizadas em certos testes de percepção extra-sensorial: uma cruz, um quadrado, um círculo, uma estrela e linhas onduladas paralelas. As circunstâncias do voo tornaram difícil a avaliação dos resultados: estávamos em atraso de quarenta minutos para o lançamento, o que atrasou em quarenta minutos igualmente os poucos períodos de repouso iniciais. Foi assim que, dadas as convenções feitas com os receptores, certas sessões pareceram dar resultados precognitivos e não telepáticos.
No meu regresso à Terra, os resultados foram analisados de maneira independente pelo Dr. Joseph Banks Rhine, da Fundação de Investigação sobre a Natureza do Homem, pelo Dr. Karlis Osis, da Sociedade Americana de Investigação Psíquica, e por mim mesmo. Os resultados foram significativos estatisticamente, não porque um dos receptores obtivesse um grande número de «tiros no alvo» directos, mas porque o número de «tiros no alvo» era surpreendentemente baixo. A probabilidade estatística de chegar a uma pontuação tão baixa era de cerca de 3000 para 1. Este efeito ESP negativo, chamado missing psi («psi» falhante), foi frequentemente encontrado no decorrer de outros trabalhos de investigação psíquica, e os teóricos tentam dar-lhe um significado. Em todo o caso, este efeito apresenta uma boa prova de fenômeno «psi», pois que as leis do acaso são desviadas num grau significativo.
Para mim, o facto de ver o nosso planeta do espaço foi um acontecimento que teve algumas das qualidades tradicionalmente atribuídas a uma experiência religiosa. Isto suscitou uma intuição profunda quanto à natureza da existência, aquele tipo de intuição que muda radicalmente a pessoa interior. O meu pensamento, de facto, a minha consciência estava profundamente modificada. Cheguei a sentir uma responsabilidade moral de transmitir a experiência transformadora que consiste em ver a Terra numa perspectiva mais vasta. E, além disso, o homem racional em mim teve de reconhecer a validade dos processos de conhecimento não racionais.
Em minha opinião, o acto de deixar o planeta é um dos momentos-chave da história humana, porque representa uma alteração radical no curso do progresso e oferece uma nova perspectiva de civilização. Se continuamos sem mudança nem crescimento do nosso pensamento e do nosso comportamento de base, acabaremos, não obstante espectaculares sucessos tecnológicos, por pôr um termo à experiência evolutiva conhecida sob o nome de experiência humana.
A nossa situação planetária torna-se de dia para dia mais desesperada. Mas, no fundo, eu sou optimista, porque a possibilidade de resolver estas crises globais incessantemente crescentes, igualmente me apareceu com clareza durante a minha visão do espaço.
É evidente que não podemos enviar qualquer um à Lua num futuro próximo. Mas podemos fornecer uma informação e experiência de um outro gênero que servirão o mesmo desígnio e oferecerão a mesma perspectiva. Além disso, podemos fazê-lo de uma maneira que aproxima a razão objectiva da intuição subjectiva e permite, portanto, diminuir o fosso malfadado existente entre estes dois modos de conhecimento. Podemos fazê-lo porque, como eu antes indicava, a investigação do espaço interior e a do espaço exterior convergem. Daqui resultará um alargamento do campo de percepção e um passo no sentido do desenvolvimento de uma consciência superior no seio da raça humana.
Ao longo de toda a História, os profetas, os sábios, os santos, os mestre iluminados e outros homens e mulheres esclarecidos indicaram a mesma finalidade como aquela que procuro: a evolução ulterior da consciência humana. Estes predecessores foram peritos da viagem no espaço interior. Os seus «relatórios» através dos séculos contêm indicações nas quais os «psiconautas» contemporâneos podem fiar-se, os seus «mapas do espaço interior» são guias úteis para a exploração de um território não familiar. Foram unânimes em declarar que o esquecimento de si e a superação do egoísmo são um aspecto da consciência superior e a chave do conhecimento directo.
Existe urna surpreendente variedade de meios pelas quais as pessoas crescem no esquecimento de si mesmas. São, por exemplo, disciplinas espirituais formais, tais como o estudo do ioga ou do zen, a entrada nas ordens religiosas ou a prática de diversas formas de meditação. Outras vias são menos sistematizadas: de facto, isso pode ser o simples facto de trabalhar nas suas ocupações quotidianas, mas com a intenção de melhorar a sua vida pela oração, o estudo, a gentileza, a humildade e boas acções.
O resultado de todas as vias sinceramente seguidas é, contudo, uma transformação de consciência para aquele que marcha na via. Por vezes progressivamente, por vezes subitamente, o viajante apercebe-se no Universo de uma ordem e um sentido que até então lhe escapavam, um reconhecimento que dá um significado à vida encorporando no Cosmos as fronteiras do eu. O viajante reconhece que, de uma maneira paradoxal, o aspecto mais profundo de si mesmo não faz mais do que um com toda a criação. O melhor nome dado a este alargamento radical do sentido do «eu» é o de «consciência cósmica». E um estado no qual existe, penetrando todos os aspectos da vida, uma sensação constante de unidade com o Universo. Cada actividade, cada relação, cada pensamento é guiado pelo conhecimento íntimo de uma união entre o eu e o mundo. O espaço interior e o espaço exterior estão unificados: então, as atrocidades que as pessoas perpetram umas sobre as outras e os actos insensatos cometidos contra a Natureza tornam-se impossíveis. Esta auto-regulação interior é o mais seguro garante contra a destruição do nosso mundo.
Dois exemplos podem ilustrar esta convergência da intuição subjectiva e da razão objectiva. No curso da sua carreira científica, Albert Einstein e Sir John Eccles chegaram ambos à conclusão de que a criação tem uma dimensão transpessoal que se situa fora do continuum espaço-tempo do universo tridimensional e o subentende. Einstein afirmou-o sucintamente quando escreveu: «Eu creio num Deus que se revela na harmonia ordenada do que existe.» Numa inspiração semelhante, Eccles afirmou a crença de que «existe um mistério fundamental na minha existência, transcendendo toda a exposição biológica do desenvolvimento do meu corpo (incluindo o meu cérebro) com a sua herança genética e a sua origem evolutiva». Concluiu com esta afirmação profunda: «Eu vejo a ciência como uma suprema actividade religiosa, mas manifestamente incompleta em si mesma. Vejo também a absoluta necessidade de acreditar num mundo espiritual interpenetrando e, contudo, transcendendo o que vemos como o mundo material… Creio, do mesmo modo, que quem quer que negue a validade da contribuição científica na sua esfera nega a grande revelação de Deus nesse dia e nessa idade. Para mim, portanto, todo o sistema de crença racional implica a convicção de que o espírito de Deus criativo e fortificante pode estar em toda a parte presente e activo; de facto, creio que todos os aspectos do Universo, todos os géneros de experiências podem ser sacramentais no verdadeiro sentido do termo.»
Eu acho extraordinariamente significativo que Einstein, o físico, olhasse o mundo telescópico do espaço exterior, e que Eccles, o neurofisiologista, olhasse o mundo microscópico do espaço interior para descobrirem, finalmente, a mesma coisa: a existência de Deus.
Esta descoberta noética está no coração da ciência e da religião. É a única coisa que se oporá às crises contemporâneas e oferecerá às pessoas sentido, direcção e plenitude.
A investigação psíquica pode desempenhar um papel importante ao ajudar as pessoas a fazer esta descoberta. Pode ser uma chave para desvendar a componente de experiência que falta, permitindo alargar a consciência para além dos limites dos dados objectivos e do raciocínio lógico. Pode ser o meio de reforçar a evolução ulterior da raça humana e de desenvolver o homem universal, capaz de consciência cósmica. Muito simplesmente, as experiências psíquicas, como as experiências religiosas e místicas, podem, quando correctamente conduzidos, ajudar uma pessoa a tornar-se mais consciente. Podem ser, para o espírito, uma alimentação que desperte a curiosidade, tire o sono dos nossos olhos materiais e comece a nos motivar para procurar as vias de uma consciência diferente.
Os fenômenos «psi» são bem acontecimentos reais e a investigação psíquica é um esforço aceitável autêntico e bem dominado, inteiramente compatível com os métodos científicos.
Tenho, contudo, de fazer um aviso. A evidência prova que a energia psíquica é neutra, não dando acesso a qualquer sistema de valores. Esta energia tem de ser manipulada com cuidado, porque um desenvolvimento psíquico só por si não origina um crescimento moral ou espiritual. A história da investigação psíquica demonstrou-o uma nova vez, expondo o caso de diversos sensitivos com talentos autênticos que utilizaram a fraude ou a trapaça. Os investigadores foram, por vezes, desiludidos, no espaço de um momento, em contacto com estes homens e mulheres psíquicos cuja preocupação principal não era agir de maneira ética, de fazer avançar o conhecimento ou de auxiliar os que estavam em necessidade, mas antes de impressionar os outros, de desempenhar o jogo do seu ego e reforçar o seu próprio estatuto social, a sua riqueza e o seu poder sobre os outros.
A energia psíquica, como a energia atómica, pode ser utilizada nos dois sentidos: de uma maneira criadora e de uma maneira destruidora. Se é assim, uma atitude piedosa e prudente parece apropriada a todos aqueles que estão abrangidos. Cabe a cada indivíduo encontrar um sistema ou um quadro ético no interior do qual possa utilizar a energia psíquica. A este respeito, as injunções da Bíblia e das outras tradições não deveriam ser rejeitadas com ligeireza. E é certo que a atitude frívola e mundana que alguns têm perante sessões, cenas Ouija e neste género de prática não é de encorajar.
Tem de estar claro, portanto, que o acontecimento psíquico deve ser colocado numa perspectiva mais vasta que habitualmente. Os que têm talentos psíquicos, tal como aqueles que os estudam, devem apoiar-se numa visão transcendente do homem e da sua relação com o Universo. A parapsicologia tem de se associar com a psicologia transpessoal – estudo do potencial de desenvolvimento do homem – como parte da noética, estudo geral da consciência. Se a investigação psíquica não conduzir à sabedoria, é inteiramente de evitar. O homem é completamente capaz de se destruir neste momento: não tem necessidade de uma arma suplementar no arsenal de que dispõe para desequilibrar o potencial planetário.
Mantendo bem presente no espírito esta perspectiva, examinemos agora o que é e o que não é o tema da investigação psíquica.
Desde os começos da investigação psíquica, diversas tradições esotéricas e ocultas cruzaram o seu caminho. A profecia é um bom exemplo. A astrologia é, talvez, o meio de divinação mais velho e o mais duradouro que o homem desenvolveu. As cartas do tarot são um método relativamente novo para tentar prever os acontecimentos. As bolas de cristal, o Yi King, as cenas Ouija, o lançamento de dados, o sacrifício de animais, as declarações proféticas dos feiticeiros e dos xamãs em estado de transe… a lista parece ser infinita. Eu não faço qualquer juízo sobre o valor ou a exactidão destas tradições. Digo apenas que é compreensível que num ou noutro momento elas sejam tomadas em consideração pelos investigadores que estudam a precognição, a natureza do tempo e outros temas de investigação psíquica. Do mesmo modo, é compreensível que temas tão diversos como a magia, o «vaudou» e o Ioga tenham sido examinados por terem uma história na qual os acontecimentos psíquicos desempenham um papel importante.
Será que todas estas práticas ocultas pertencem ao domínio da investigação psíquica? Onde se detêm as ciências psíquicas e onde começam as artes ocultas? Se os fenómenos «psi» desempenham um papel nas cerimónias religiosas e nas práticas de transporte dos povos primitivos e dos cultos pagãos, tem de se estudar tudo isto?
Parece haver um continuem ao longo do qual se podem colocar os fenômenos ocultos, psíquicos, paranormais e místicos, um continuum de consciência. Não é, porém, fácil traçar uma linha de demarcação entre eles. Recentemente, por exemplo, a meditação entrou nos laboratórios. Os estudos demonstraram que a meditação é um meio de produzir um estado de consciência no qual os fenómenos «psi» se manifestam frequentemente. Examina-se, portanto, a meditação, e parece provável que os investigadores psíquicos tenham de estudar o plano de fundo histórico, o sistema de crenças e a concepção filosófica das diversas disciplinas meditativas. Um movimento aparecerá em psicologia transpessoal. Para lá disso, vai tornar-se evidente que os fenômenos «psi» não podem ser completamente compreendidos enquanto não se tomar em consideração a natureza da própria consciência.
Mas a diversidade de opiniões ao nível da investigação quotidiana não significa que «corpos inimigos» se tenham constituído. Os investigadores psíquicos de todo o mundo estão geralmente de acordo em dizer que o seu trabalho tem de ser cumprido em benefício da humanidade. A possibilidade da invasão da intimidade mental ou do controlo dos pensamentos é odiosa. Na comunidade dos investigadores psíquicos, os meus colegas são unânimes, seja qual for a sua nacionalidade, em procurar uma aplicação benéfica das faculdades psíquicas. Tudo indica que as energias «psi» podem ser utilizadas tanto para o bem como para o mal. Uma das suas melhores aplicações pode ser vista na cura psíquica. Um dos seus usos potencialmente mais perigosos seria «programar» as pessoas por sugestões telepáticas não conscientes. Não se pode favorecer esta ultima possibilidade. Este facto põe em evidência uma outra razão para preferir a expressão a «investigação psíquica». Como mencionei, a parapsicologia está em vias de vir a ser uma parte de um conjunto mais vasto, a psicologia transpessoal.
Por sua vez, a psicologia transpessoal é um aspecto da convergência geral da ciência e da religião na noética. Só estudando a consciência e a natureza do homem e dos outros sistemas vivos é que começaremos a compreender, realmente, os fenómenos «psi» e a sua relação com o potencial e a realização humanos. Sem esta perspectiva, os factores «psi» e a investigação psíquica seguiriam, provavelmente, a via da maior parte dos outros empreendimentos científicos: seja por cálculo, seja por ignorância, voltá-los-ão contra a humanidade por meios física e psicologicamente destruidores, porque os desejos humanos sofrendo de imperfeição moral estão geralmente fora do controlo da inteligência racional.
Já se respondeu brevemente à questão: «Porquê a investigação psíquica», ao dizer que ela era um elemento importante da fórmula, há muito tempo procurada, que permitiria enriquecer a consciência humana, reestruturar a sociedade e, mais geralmente, ajudar a Natureza no grande trabalho da evolução. Mas examinemos mais de perto a questão e vejamos exactamente porque é que a investigação psíquica é um desafio à ciência.
No decurso da nossa progressão psicossocial no estudo da consciência, certas convicções fundamentais do mundo científico actual voltarão a ser postas em causa. É inevitável. A investigação psíquica é, talvez, o domínio por excelência de onde a revolução virá e de onde será tirado um novo paradigma científico.
Um fundamento da ciência é o objectivismo que considera a Natureza como uma colecção de partes distintas que os cientistas podem observar e manipular de uma maneira desprendida e imparcial. Os acontecimentos naturais têm lugar porque as forças naturais operam segundo as leis naturais, enquanto o sábio se conserva de lado, conservando a sua neutralidade e a sua não implicação emocional. Não faz mais do que deixar as coisas seguindo o seu curso. Pode haver relações de causa e efeito; pode haver interacções. Mas tudo acontece fora do observador. O princípio da identidade separada permanece efectivo.
Um outro princípio científico é o materialismo, ou noção segundo a qual a realidade é inteiramente explicável pela existência apenas da matéria. Operando nesta base, a ciência encontrou um grande êxito na exploração do mundo físico e na maneira de o controlar. Grandiosas realizações durante os cem últimos anos não permitem dúvidas quanto a este assunto.
Contudo, ao mesmo tempo, a ciência é responsável por ter posto entre as mãos do homem um conhecimento que ele tristemente utilizou para massacres sem precedente, destruições e a agressão do seu semelhante e do meio ambiente. Porquê? Por que razão o nosso conhecimento sofisticado do universo físico não conduziu à sabedoria? Por que razão não podemos viver em harmonia com os nossos semelhantes e o nosso planeta?
Uma parte da resposta, na minha opinião, pode ser encontrada nestes dois princípios da ciência contemporânea: o objectivismo e o materialismo. Se bem que válidos num domínio limitado, eles foram imprudentemente considerados como universalmente aplicáveis. Os estudos feitos em domínios tão diferentes como a lógica, a metalinguística e a mecânica dos quanta demonstraram que os conceitos opostos de subjectivo-objectivo, matéria-energia e talvez mesmo o próprio conceito de causalidade são construções arbitrárias que o homem impõe à Natureza. O Universo é holístico (universos), mas a maior parte das pessoas, incluindo os cientistas, disto são inconscientes, e eis a razão por que os dois princípios de base se combinam para formar uma filosofia inconsciente da vida, um paradigma. O acento posto pela ciência na matéria conduziu a um lanço maior dos objectos materiais necessários à vida. Do mesmo modo, o acento posto pela ciência sobre a objectividade conduziu a uma perda da unidade e da empatia entre pessoas: em seu lugar, encontra-se a separação, a impersonalidade e a apatia.
Estes infelizes resultados são aparentes em toda a parte. Ao nível individual, a nossa concepção da pessoa perdeu-se em benefício da ideia de que a personalidade é uma mercadoria que se embala e se vende num balcão de produtos de beleza, em armazéns de roupa e em cursos de desenvolvimento pessoal. Olham-se os objectos como tendo um valor superior ao das próprias pessoas e há uma tendência muito espalhada para tratar as pessoas como objectos que se manipulam mecanicamente. Ao nível social, não nos resta mais do que um passo a dar para adorar o modo de pensamento objectivo e racional como fonte do Bem e de toda a sabedoria. Vindo reforçar esta situação, há a objectivação – ou, antes, a reificação – de ideias abstractas, tais como a nação ou o estado. Seguindo este ponto de vista, não é se não lógico fazer a guerra aos outros países, bem como à Natureza. Esta recusa do aspecto não material da vida, da sua participação sagrada no milagre da existência tira às pessoas todo o significado e toda a orientação. A concepção que daqui resulta pode ser expressa assim: sou simplesmente um prisioneiro da minha carne, batendo-me para sobreviver num mundo hostil e competitivo, e a morte será o meu fim, porque a vida não é mais que física. Não sou mais do que um ego encapsulado numa pele, encerrado num corpo sem alma, que um dia perecerá e se decomporá.
A investigação psíquica traz um desafio directo a esta visão um pouco míope da realidade, voltando a pôr em questão o pressuposto primado do objectivismo e do materialismo. A telepatia demonstra que existe entre as pessoas uma ligação informacional que ultrapassa as leis da ciência tais como actualmente se compreendem: uma ligação da qual somos normalmente inconscientes. E a descoberta da percepção primária na vida celular alarga, aparentemente, esta ligação para a parte de baixo da escala da organização molecular. A clarividência lança um desafio à nossa compreensão da percepção sensorial. A precognição e a retrocognição desafiam o nosso conceito do tempo. A psicocinese desafia os nossos conceitos de energia e de transferência de energia. O mesmo acontece com a cura psíquica, que volta a pôr igualmente em questão os nossos conceitos da fisiologia e da medicina. Em todos estes domínios, os estudos parecem indicar que o espírito e a consciência se podem operar à distância do corpo, agir sobre o mundo exterior e dele receber uma influência de uma maneira que não pode ser explicado pelas leis conhecidas. Mais ainda, as investigações sobre a sobrevivência indicam a possibilidade de o espírito e a consciência poderem operar independentemente do corpo. Em resumo, a investigação psíquica conduz a esta conclusão extremamente provocante: a imagem fundamental do homem e do Universo que a ciência apresenta tem de ser revista. Por causa desta luz nova projectada sobre a natureza da humanidade e a sua posição no Cosmos, a ciência vai ter de renunciar não só a alguns «factos», que preza profundamente, mas também aos seus fundamentos filosóficos, enfim, a toda a construção intelectual sobre a qual a nossa civilização assenta. «Esta construção», diz Arthur Koestler em As Raízes do Acaso, «é a maior superstição do nosso tempo: o universo-relógio mecanicista e materialista da física do começo do século XIX.»
Vivemos, segundo as palavras de William Irwin Thompson, «à margem da História». Uma extrapolação linear das condições actuais mostra que a humanidade tem, no melhor dos casos, menos de um século antes de se reencontrar na época dos dinossauros. Muitos sábios e dirigentes pensam que o tempo restante poderia não ser mais do que alguns decênios. Bem entendido, alguma circunstância imprevista, tal como uma «revolução verde» ou um triunfo na luta contra a poluição, pode modificar, num sentido favorável, este prognóstico e logo confirmar esta sentença de que a civilização cambaleia, mas que cambaleia avançando regularmente. No entanto, a sobrevivência parece depender de uma transfiguração da consciência, de uma evolução do espírito mais que de qualquer outro factor. Esta transformação incide, assim, sobre a nossa filosofia da ciência: o nosso pensamento e o nosso comportamento limitam-se ao aspecto físico dos seres.
Para certos cientistas, isto conduzirá a uma enorme transformação no seu modo de pensar. Isto significará, em todo o caso, que será preciso abandonar ideias caducas que perderam a sua validade ea meaçam directamente a nossa existência.
Uma tal necessidade apareceu já na história das ciências. A teoria do flogisto e a neutralidade do observador em mecânica dos quanta são exemplos disto. Mas nunca antes da necessidade de se deslastrar das falsas crenças teve uma importância tão global. Se a ciência mantém a sua velha atitude para a investigação psíquica, isso provará simplesmente que Max Planck tinha razão ao dizer: «Uma nova verdade científica não triunfa arrebatando a convicção dos seus adversários e ao fazer-lhes ver a luz, mas antes porque os seus opositores acabam por morrer e porque uma nova geração se levanta que lhe é familiar.»
A única razão possível para rejeitar as provas da investigação psíquica é o preconceito tenaz e a teimosia vindos da insegurança. O psicólogo Donald 0. Hebbs admitiu-o francamente desde 1951: «Porque não aceitamos a ESP como um facto psicológico?», perguntava. «Rhine trouxe-nos suficientes provas materiais respeitantes a quase todos os problemas onde se podiam fazer apostas quanto ao mecanismo do processo em jogo. Pela minha parte, eu não aceito o ESP um só instante, porque aquilo não rima com coisa nenhuma. Eu não vejo que outra razão os meus colegas adiantem para rejeitar a ESP. A minha própria rejeição dos pontos de vista de Rhine está, literalmente, marcada por preconceitos.»
Eis uma confissão leal. Não sei se Hebbs descobriu, desde então, o «sentido» da investigação psíquica, mas, em todo o caso, a resposta de Aldous Huxley é digna de interesse para aqueles que se sentiriam inclinados a rejeitar as descobertas e as implicações destes trabalhos. Huxley disse: «Já é estranho que um homem de ciência permita que um preconceito contrabalance uma prova. Mas mais estranho ainda é encontrar um psicólogo rejeitando uma descoberta psicológica. “Psi”… essencialmente, não é mais inexplicável do que, digamos, a percepção ou a memória.»
Uma das menores objecções à autenticidade da investigação psíquica é a credibilidade das suas provas. Certos críticos, tais como o Dr. C. E. M. Hansel, em Inglaterra, e o Dr. George R. Price, na América, levantaram a questão da incompetência, da auto-sugestão e mesmo da fraude completa.
S.G. Soal, da Universidade de Londres escreve: «Seria interessante encontrar o psiquiatra ou psicólogo que percorresse cada uma das páginas dos quarenta e nove volumes dos Debates da Sociedade de Investigação Psíquica e ficasse céptico. Não é por acaso que a maior parte dos detractores da investigação em ESP são invariavelmente aqueles que têm mais fraco conhecimento dos factos.»
H. J. Eysenck, chefe do Departamento de Psicologia no Hospital Maudsley, em Londres, responde à acusação de fraude com estas palavras: «A não ser que se trate de uma gigantesca conspiração implicando trinta departamentos de universidades no mundo inteiro e várias centenas de sábios extremamente respeitados em numerosos domínios (sendo muitos deles, aliás, originalmente hostis às declarações dos investigadores psíquicos), a única conclusão a que pode chegar o observador imparcial é que existem pessoas que obtêm informações existentes no espírito de outras pessoas ou no mundo exterior, e isto por meios ainda desconhecidos da ciência.» Um dos meus associados, o Dr. Montague Ullman, do Centro Médico Maimónides, de Brooklyn (Nova lorque), dirige a crítica seguinte aos detractores da investigação psíquica: «Se a única resposta que se possa trazer a uma vasta quantidade de sólidas provas experimentais é a de incompetência ou de fraude a uma escala global da parte dos homens tendo títulos comparáveis aos dos seus pares cientistas, e cujos trabalhos se estendem por um período de, pelo menos, três gerações, parece então que os adeptos de tal resposta adoptam uma posição que é mesmo mais difícil de defender que a hipótese “psi”. De facto, isso pareceria representar uma posição limite, enfim, a bancarrota do esforço crítico.» É o mínimo de honestidade intelectual admitir que não se teve razão ou que se errou. O Dr. Price dá prova de tal honestidade numa carta enviada à revista Science (Janeiro de 1972): «No decorrer do ano passado», dizia ele, «troquei com J. B. Rhine correspondência que me convenceu de que fui extremamente injusto a seu respeito no meu artigo intitulado “A Ciência e o Sobrenatural”, publicado na Science em 1955. Este artigo estudava as possibilidades de fraude nas experiências de percepção extra-sensorial. Penso ter dado prova da mesma injustiça nas minhas afirmações respeitantes a S. G. Soal do mesmo artigo.» A refracção de Price trouxe aos investigadores psíquicos o que se poderia chamar um «psi de consolação»: a sua significação primeira, no entanto, não é que restabeleça a integralidade dos seus esforços, mas antes que demonstra a própria integridade de Price como homem de ciência, que se dedica à investigação da verdade, mesmo a expensas da sua própria imagem pública e das suas declarações.
Esta dedicação à ciência é o que deve motivar todos os cientistas. Até um período recente, houve ausência notória de uma tal atitude para com a investigação psíquica. Contudo, a admissão da Associação de Parapsicologia na Associação Americana para o Avanço da Ciência, em 1969, lançou o crédito nas instituições científicas: isto indica ao mesmo tempo que na opinião a corrente está em vias de se inverter.
Mais recentemente, um questionário sobre a parapsicologia foi distribuído pelo magazine New Scientist. Os resultados foram muito encorajantes para a comunidade de investigação psíquica. A primeira conclusão, relatada pelo New Scientist, é que «a parapsicologia é claramente considerada como sendo excessivamente interessante e pertinente por um número muito grande dos cientistas que trabalham na hora actual». Um bom quarto das respostas considera a ESP como um facto estabelecido, enquanto quarenta e dois por cento declaram que ela é muito verosímil. Esta atitude positiva estava fundamentada, para cerca de quarenta por cento da amostragem, em notas de leitura de livros científicos e jornais. Mais surpreendente, contudo, era a resposta da maioria, cuja convicção resultava de alguma experiência pessoal precisa: «Isso podia ou tomar a forma de uma experiência convincente que eles tinham conduzido», diz o artigo, «ou, mais frequentemente, ser o resultado de uma experiência telepática evidente.» Havia, entre as respostas, uma forte percentagem que declarava que se gastara tempo demasiado a provar a existência da ESP, quando a verdadeira necessidade era «continuar a procurar como aquilo funciona». É claro que a corrente está em vias de se inverter. Quando a viragem se der, a unidade do conhecimento e da experiência passará a ser evidente. A natureza complementar dos modos subjectivo e objectivo de conhecer a realidade e explorar a natureza do Universo será demonstrada.
O resultado, em minha opinião, pode ser simplesmente uma nova apreciação pela ciência e pela religião dos seus modos de operação recíprocas. Até ao presente, só se ocupou do racional e do irracional. Ela não reconheceu o não racional. As formas não racionais de conhecimento transcendem as categorias da lógica e da percepção vulgares, com as quais opera o intelecto discursivo. Estas zonas do espírito, se as soubermos manejar, podem ser igualmente úteis para fornecer informação sobre nós próprios e sobre o Universo. As formas não racionais do conhecimento são as nossas mais antigas fontes de sabedoria; o yoga filósofo Gopi Krishna sublinha-o em O Segredo do Ioga; delas vêm as verdades religiosas, a criatividade psíquica e as suas formas aparentadas: a ESP, que chamamos «intuição», e as «reacções das tripas». Colectivamente, tudo isto foi denominado o «inconsciente» – termo um pouco enganador, diga-se de passagem, porque o inconsciente é supremamente inteligente. É o mais profundo nível do nosso inconsciente pessoal que a fronteira entre os modos de operação subjectivo e objectivo desaparece e o nosso sentido limitado do «eu» se encorpora na sua origem universal de existência.
Se, honesta e corajosamente, deixamos falar-nos este aspecto do espírito, se tornamos consciente e inconsciente, daí se seguirá uma modificação fundamental nas nossas atitudes presentes, nos nossos valores e nas nossas crenças, bem como uma transformação capital no nosso comportamento. As nossas experiências objectivas vão fundir-se, de maneira «sinergética», num salto quântico de compreensão a um mais alto nível de consciência necessário para resolver os nossos dilemas.
Uma tal transformação assegurar-se-ia de que toda a acção prevista seria sensata, prática e de um alcance suficiente para fazer frente aos problemas planetários de uma maneira holística. Isto restabeleceria a saúde das nossas «psiques» divididas, a unidade da nossa sociedade fracturada e a harmonia do ambiente desequilibrado. Até ao presente, a ciência produziu principalmente a fragmentação. Mas a saúde é «completude». Para «tratar» a ciência, devemos, como diz o filósofo Dane Rudhyar, «construir conjuntos mais vastos».
A investigação psíquica é uma avenida em direcção ao inconsciente, um meio de construir conjuntos mais vastos. Agora, é tempo de começarmos a construir um conjunto humano único. Agora, é tempo de desenvolvermos as nossas faculdades não racionais no sentido de uma «tecnologia subjectiva», que permitirá o casamento da ciência e da religião, da razão e da intuição, do físico e do espiritual. Esta união da cabeça e do coração, da perspicácia e do instinto, só será uma garantia quando a ciência vier a apreender o aspecto não material da realidade tão bem quanto conhece o seu aspecto material – quer dizer quando a ciência se aproximar da omnisciência -, então o nosso conhecimento tornar-se-á sabedoria, o nosso amor pelo poder passará a ser poder do amor e o homem universal da consciência cósmica poderá, enfim, erguer-se.
Edgar D. Mitchell